A oração nos transforma
A oração não muda a Vontade de Deus, mas transforma o nosso coração
No coração da vida de fé, uma pergunta ecoa frequentemente entre os fiéis: a oração é verdadeiramente capaz de alterar os planos divinos, de mover a mão de Deus para que Ele aja de acordo com nossos anseios? Muitos se debruçam sobre essa questão, buscando compreender o poder e o propósito de nossas súplicas diante de um Deus onisciente e onipotente.
A resposta, contudo, pode ser surpreendente e profundamente libertadora: a oração, em sua essência mais pura, não visa mudar a vontade de Deus, mas sim nos transformar. Ela não é um instrumento para manipular o Criador, mas um caminho para moldar o coração da criatura à Sua santa e perfeita vontade.
I. A Sabedoria da Vontade Divina
Para entender o verdadeiro poder da oração, precisamos primeiro nos aproximar do mistério da Vontade Divina. Primeiramente saiba: Deus é imutável. Ele não está sujeito às limitações do tempo; Ele existe na eternidade, onde passado, presente e futuro são um único e eterno agora. Nessa perspectiva, Deus já conhece todas as coisas antes mesmo que elas aconteçam, incluindo cada uma de nossas preces.
Isso nos leva a uma questão crucial: se Deus já sabe o que vamos pedir e já tem um plano perfeito, qual o valor de nossa oração? A resposta é que o valor não está em alterar o plano divino, mas em nosso papel dentro dele.
Na Sua infinita sabedoria, Deus, de fato, já incluiu nossas preces em Seus desígnios. A oração não é um pedido que muda Sua decisão, mas sim um ato que, na visão de Deus, era intrínseco ao desenrolar dos acontecimentos.
Um exemplo marcante disso é o atentado a São João Paulo II: naquela ocasião, a oração de milhões de pessoas não 'mudou' a trajetória da bala, mas sim que Deus, em Sua onisciência, já havia levado em conta cada uma dessas orações no plano que permitiu a sobrevivência do Papa. As preces agiram no mundo, mas não fora da Providência Divina; elas foram parte dela.
II. O Verdadeiro Significado de Orar "Em Nome de Jesus"
Ainda que muitos usem a expressão "em nome de Jesus" ao final de suas preces, nem todos compreendem a profundidade desse ato. Orar "em nome de Jesus" não é uma fórmula mágica para garantir que nossos desejos sejam atendidos. Pelo contrário, significa orar com o mesmo espírito de Cristo, aquele que recebemos no Batismo e que nos capacita a dizer "Abbá, Pai". É o Espírito Santo que transforma nossas súplicas, alinhando-as com a oração do próprio Jesus: "Seja feita a Tua vontade".
Por essa razão, a oração verdadeira exige um "coração pobre". Não se trata de uma pobreza material, mas de um despojamento interior que nos leva a abandonar nossa própria vontade, por mais justa que pareça, e confiar plenamente na sabedoria do Pai. A oração autêntica é um ato de confiança e entrega, uma rendição confiante.
Essa compreensão nos protege de uma deturpação perigosa. A oração não é um meio de barganhar com Deus. Ela não funciona como uma troca, onde prometemos algo em troca de um milagre ou uma bênção. Essa mentalidade de "compre e pague" — muitas vezes vista em certas pregações — é, na verdade, uma distorção da fé que desvirtua a relação de amor e confiança entre o homem e seu Criador. A oração é comunhão, não negociação.
III. As Duas Asas da Oração: Mística e Ascética
Para que a nossa oração nos eleve verdadeiramente a Deus, ela precisa de duas "asas" que trabalham em união no nosso íntimo: a mística e a ascética.
A primeira asa, a mística, é a dimensão contemplativa da oração. É a amizade e o relacionamento pessoal com o Senhor, o tempo que passamos quietos, na Sua presença, simplesmente desfrutando da comunhão com Ele. A mística é o lado prazeroso da oração, o fruto que colhemos do nosso relacionamento com Jesus.
No entanto, essa asa não pode voar sozinha.
A segunda asa, a ascética é a disciplina e o combate espiritual. Enquanto a mística é a busca pela amizade com Deus, a ascética é a luta diária contra nossos "demônios" — os maus hábitos e vícios que nos afastam Dele, como a raiva, a inveja ou a preguiça. Devemos identificar e "dar nome" a esses vícios, assim como Jesus fazia nos exorcismos, para podermos lutar contra eles de forma concreta.
A oração só se torna eficaz quando está unida a esse combate. Não basta pedir a Deus que mude nossos corações; precisamos lutar ativamente contra as inclinações da nossa natureza caída. O verdadeiro progresso espiritual acontece quando, em nossas orações, visualizamos a nós mesmos agindo com virtude em situações que normalmente nos levariam ao pecado.
É a oração que nos capacita para a batalha e a batalha que dá frutos à nossa oração. A amizade com Deus (misticismo) nos dá a força para a luta (ascetismo), e a luta purifica nosso coração para que ele possa se aproximar cada vez mais de Deus.
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A oração se torna a verdadeira jornada de purificação do nosso coração, nos elevando a uma comunhão mais profunda com o Pai e alinhando nosso ser com Seus eternos desígnios.
Em suma, a oração é muito mais do que um simples pedido. Ela é a via pela qual Deus age no mundo e em nossas vidas, não mudando Sua vontade perfeita, mas nos transformando para que sejamos canais de Sua graça.

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